Discurso da posse do vereador José Police Neto.
A poetisa Adélia Prado disse em um de seus textos: “Eu, se fosse governo, subia num tamborete, batia palma e gritava bem alto pra todo mundo escutar. Quando todo mundo ficasse quieto pra ouvir eu dizia que programa administrativo não é Deus, é o tipo de coisa que só funciona com muita ajuda. Não ia fazer nada sozinho, porque não sou bobo. Conferia numa assembleia que não ia ter recesso enquanto não me dessem, por escrito, quantos meninos sem escola, quanto pai de família sem emprego, quanto homem e mulher que fosse amarelo, feio, sem dente, sem saúde, sem alegria. Quando estivesse tudo isto no papel dava meia hora de descanso e ia de novo presidir eles arranjarem um jeito de acabar com esta tristeza”.
Não consigo pensar em melhor programa que este da poetisa.
Em primeiro lugar temos de ser capazes de trazer todos os segmentos da sociedade para este diálogo: sindicatos, associações de moradores, entidades da sociedade civil, grupos de defesa das minorias, os intelectuais dos centros de ensino e pesquisa e, em especial, aqueles aos quais faltam as mais básicas necessidades para uma vida digna. Absolutamente todos os segmentos desta cidade que devem saber que tem o direito de falar aqui nesta Casa e, mais do que isto, tem o direito de ser ouvido. Porque é muito distinto falar e ser ouvido, é até relativamente fácil dar direito a palavra a todos, já ouvir aquilo que é dito por quem usa deste direito exige um degrau a mais de dedicação.
E isto significa também fazer todas as pessoas que vêem o mundo a partir de ângulos tão distintos ouvir umas às outras, prestar atenção não só no que diz, mas no que é dito pelo outro.
É este exercício de ouvir e pensar sobre o que o outro diz que transforma o burburinho de multidões se entrechocando em um diálogo na busca de soluções.
O futuro de São Paulo não precisa ser um jogo de soma-zero, como diria um cientista político, ou um cobertor curto que cada um tenta puxar pro seu lado, como diz a expressão popular. Ele pode vir a ser um abrigo seguro para os milhões de cidadãos que vivem aqui na medida em que possamos deixar de ser bobos, como disse a poetisa, e enxerguemos que não é coisa que se pode fazer sozinho.
A diversidade de ângulos e ênfases é ao mesmo tempo a enorme força e a terrível fraqueza da Democracia. Os primeiros adversários da Democracia, os filósofos gregos, já diziam que ela era impossível por conta das múltiplas opiniões e variável humor da multidão; mas desde aquela época e até hoje as democracias vem triunfando pela sua capacidade de mobilizar todos estes segmentos diversos na defesa de algo que eles sabem que pertence a todos.
O conflito é inerente a democracia, as duas coisas não podem ser separadas. Embora tantos discursos apregoem – ainda mais em um dia como hoje – a convivência, a harmonia, estes momentos de consenso estão condenados a ser efêmeros e é bom que assim seja porque a sociedade só pode evoluir quando estas visões diversas se confrontem e produzam a síntese que seja melhor, ou ao menos mais completa, que as ideias originais.
Este conflito é a raiz do próprio movimento, da evolução de tudo, mesmo na natureza. Não houvesse antagonismo e síntese e o planeta ainda seria habitado só por amebas. Quando se trata das sociedades ele se torna ainda mais acirrado e urgente.
Os interesses de todos os cidadãos paulistanos não são os mesmos. Grupos diferentes lutam para terem prioridade na distribuição de recursos escassos, a começar pelo espaço urbano e terminando com a política que será implementada. Em outras palavras, o choque não é só por questões políticas e ideológicas mas tem em seu cerne questões bem objetivas.
Aquilo que nos caracteriza, o que dá a esta Casa a razão de existir, não é a ausência do conflito, mas o método de resolvê-los, de produzir a síntese, através do diálogo, pela palavra, pela argumentação, pela persuasão.
Precisaremos de muita coragem. Não a coragem dos fortes, mas sim a dos Justos; Não a coragem da valentia, e sim a da Generosidade.
Certamente falar sobre isto é mais simples do que fazer. É por isto que gostaria de voltar ao “programa” da Adélia Prado. Em primeiro lugar a poetisa nos diz que precisamos estudar a situação, levantar exaustivamente os dados que demonstram o tamanho da nossa missão, a imensidão da nossa dificuldade em atingir o mais básico dos objetivos, contemplado em todas as ideologias: garantir uma vida digna e feliz a todos que habitam a cidade que governamos em nome deles.
Fico aqui pensando em quantos e quantos destes conflitos não poderiam ser resolvidos tendo esta sabedoria como aliada, quantas vezes mil formas diferentes de atingir um objetivo não poderiam ter se reduzido a um caminho comum utilizando os dados e a capacidade de análise e interpretação daqueles que se dedicam a buscar o conhecimento nas instituições de ensino e pesquisa, nos corpos técnicos estáveis dos órgãos públicos e em outros organismos destinados a entender a cidade.
Saber servir é uma tarefa de humildade, muito mais do que de competência. De ideal e não de ambição.
É neste cenário, a partir do programa traçado pela poetisa, que se tem de pensar o processo legislativo. Não como um processamento industrial no qual em uma ponta entra um projeto de lei e no outro sai uma lei pronta só cumprindo um trâmite burocrático. Mas como um problema sobre o qual todos nós paulistanos vamos falar, ouvir o que os outros tem a dizer, se debruçar sobre ele estudando-o para lá no final chegar na síntese que atinja o objetivo final: o esforço de construir, a cada dia, com todos os homens e mulheres uma cidade mais justa e mais feliz.
Que possamos ser capazes de permanecer lúcidos e firmes no nosso propósito de olhar para o outro e não só para nós mesmos, de ouvir, respeitar e criar os vínculos que se façam necessários para o melhor desenvolvimento desta maravilhosa cidade batizada de São Paulo.
Fonte: Assessoria de José Police Neto / Foto Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
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